Fibrose Pulmonar Progressiva: qual o papel do médico diante de uma doença tão grave?
Ao receber um diagnóstico, muitos de nós possui o hábito de buscar informações mais através da internet. Isso sempre é problemático, pois as informações da internet não são filtradas, e por vezes, existem inúmeras possibilidades mesmo dentro de um único diagnóstico.
Uma das doenças que mais causa confusão nos pacientes é a
Fibrose Pulmonar, especialmente porque as notícias em geral não são tão positivas.
A mais famosa delas, chamada de
Fibrose Pulmonar Idiopática, traz uma expectativa sombria, entre 2 a 3 anos de vida na sua forma “benigna”. E de apenas 3-6 meses na sua forma exacerbada.
E sempre que nos deparamos com um desses casos “acelerados”, trazemos na memória uma paciente muito querida que cuidamos anos atrás.
Confira esse relato de caso:
Lembro como se fosse hoje, a Sra. Maria (nome fictício) chegando no ambulatório de Doenças Pulmonares Intersticiais do Hospital das Clínicas, carregando algumas tomografias de tórax, um semblante aflito e uma esperança inabalável:
“Doutor, estou desesperada, já passei em vários médicos, me passaram diferentes tratamentos e eu só faço piorar. Me ajuda, pelo amor de Deus! Quero pelo menos estar viva para ver meu filho casar!”
E, ao perguntar quando seria o casamento, ela responde:
“Ele é noivo, mas ainda não marcou...”
Nesse momento eu disse: “Mande ele agendar, que a senhora entrará com ele na igreja!”
E a partir daí,
a Sra. Maria
se tornou alguém inesquecível em minha vida.
Diagnóstico de Fibrose Pulmonar associada à Artrite Reumatoide
Analisando o caso com calma, A Sra. Maria possuía um diagnóstico de Fibrose Pulmonar associada à Artrite Reumatoide, uma doença imuno-mediada, ou seja, provocada pelo seu próprio organismo. A grande problemática é que o quadro só piorava de maneira muito acelerada, mesmo com a aderência dos tratamentos adequados.
Para conseguir “brecar” aquela fibrose progressiva, precisaríamos efetuar algo diferente, pois a doença vinha galopante e a expectativa de vida da paciente era de poucos meses. O maior problema é que na época não haviam
tratamentos anti-fibróticos
e tudo era considerado muito experimental.
Após uma discussão entre os membros da equipe, resolvemos que deveríamos mudar radicalmente a terapia e tentar alguma coisa que mantivesse pelo menos o
funcionamento normal do pulmão. Algo com alguma evidência em casos semelhantes, mas ainda assim pouco estudado, porque situações como a da
Sra. Maria são incomuns.
Logo, resolvemos por interná-la e iniciar o tratamento o mais rápido possível, pois não tínhamos muito espaço de tempo para uma eventual piora clínica,
precisávamos estabilizar a doença.
Para alegria de todos, ela teve uma ótima tolerância e excelente resposta às novas intervenções. Apesar de inesperado, na consulta seguinte ela não tinha só estabilizado,
mas melhorado o quadro como um todo!
A Sra. Maria chegou no consultório sorrindo e dizendo que havíamos a salvado da doença.
E apesar da animação inicial, naquele momento, reforçamos que a doença era grave e progressiva, mas que faríamos o máximo para mantê-la bem até o casamento do filho, que estava marcado para
18 meses a partir daquela data!
Sabendo que a paciente havia respondido ao tratamento, resolvemos mantê-lo por tempo indeterminado.
Progressão do quadro
Durante o seguimento, foi muito claro que a havíamos tirado da progressão acelerada, no entanto, a doença continuava lentamente progredindo.
Aos poucos, a Sra.Maria foi ficando cada vez mais debilitada, já fazia a utilização de oxigênio e se cansava ao efetuar mínimos esforços, contudo, ela continuava confiante e cheia de expectativas para a grande festa.
Pouco antes do casamento, ou seja, 18 meses depois daquele prognóstico inicial de apenas 6 meses de vida, ela veio andando, sentindo-se revigorada pelo objetivo alcançado.
E com muita alegria,
agradeceu a todos da equipe pelo esforço e dedicação pela sua vida. Foi realmente emocionante. Chegamos até a acreditar que tínhamos “brecado” aquela doença terrível.
Enfim o dia da consulta de retorno
Infelizmente, no retorno seguinte, a Sra. Maria chegou em uma cadeira de rodas porque não conseguia mais respirar direito. Veio chorosa, sabendo que o fim estava chegando, mas ao mesmo tempo, muito grata por tudo que fizemos. Pouco tempo depois, a Sra. Maria faleceu.
Sempre é ruim perdermos pacientes, mas,
contra a morte conseguimos vencer apenas algumas batalhas, nunca a guerra.
Entretanto, o que a
Medicina
consegue nos proporcionar é
vencer batalhas
que fazem a diferença na vida das pessoas, e que
serão eternas na memória de todos que vivenciaram aquela luta.
Lições aprendidas
Os ensinamentos que esse caso nos desafia a transcender o conhecimento técnico.
Valorizamos o relacionamento
médico-paciente, que vai muito além da prescrição de um tratamento, é
fortemente arraigado na confiança mútua.
Não existe Medicina verdadeira se o paciente não confia no médico e vice-versa. E a
mercantilização da Medicina
é um dos maiores males que vêm sendo cada vez mais difundidos, em detrimento desta relação quase sagrada:
a entrega de uma vida aos cuidados de outra pessoa.

E aqui terminamos com um extrato do texto “Os conselhos de Esculápio”, escrito há mais de 3000 anos e ainda atual:
"Queres ser médico, meu filho? Essa aspiração é digna de uma alma generosa, de um espírito ávido pela ciência. (...) Mas, pensaste no que se transformará a tua vida? Terás que renunciar à vida privada:
enquanto a maioria dos cidadãos pode, terminado o trabalho, distanciar-se dos inoportunos, a tua porta estará sempre aberta a todos.
(...) Se não afirmas que conheces a natureza da enfermidade, que possuis o remédio para curá-la, o povo te trocará pelos charlatães que vendem a mentira que eles necessitam. (...)Mas se, indiferente à fortuna, aos prazeres, à ingratidão e, sabendo que te verás, muitas vezes, só entre feras humanas, ainda tens a alma estoica o bastante para encontrar satisfação no dever cumprido; se te julgas suficientemente recompensado com a felicidade de uma mãe que acaba de dar a luz, com um rosto que sorri porque a dor passou, com a paz de um moribundo que acompanhaste até ao final; se anseias conhecer o Homem e penetrar na trágica grandeza de seu destino, então... TORNA-TE MÉDICO, MEU FILHO."
Responsável Técnico:
Dr. Alexandre de Melo Kawassaki
CRM 117803 | RQE 49066